por deficiência do meu olhar, admito, há nesta fotografia pormenores que me incomodam. ou seja, detalhes que eu 'fruidor da coisa' preferia que lá não estivessem para a fruição ser maior. o homúnculo que marotamente se esconde na coxa da menina em primeiro plano devia ter dado mais um passo, a coluna que se "siamisa" com o braço da menina, merecia um passo à esquerda do fotógrafo. seria outra fotografia, o fotógrafo mostraria outra face da realidade, pois sim, concordo com esses reparos aos meus reparos, mas o que se vê, vê-se sempre num fundo de mundo, como diria o Merleau-Ponty, e, por isso, não consigo abstrair-me do lugar e da mobilidade do real de onde este instante foi roubado pela vontade do homem da máquina. não será a questão do tempo (será esse o sentido das cronologias?) e da relação que com ele estabelecemos a grande questão da fotografia?
Meu caro af: efabulemos, pois, amavelmente. Não ache que se ganhe grande coisa em comentar uma foto, partindo do princípio de que o fora de campo é um prolongamento harmonioso do campo representado. Neste caso, por exemplo: tenho à minha esquerda uma mulher volumosa, de pé, encostada à pedra; ela, a figura representada e uma outra que ocu+a uma posição simétrica à desta (sentada no banco oposto, virada para ela) constituem um trio de linguajar inidentificável, vagamente conscientes do meu borboletear e razoavelmente nas tintas para ele. Isto para te dizer que não posso ir para a esquerda, porque entro no perímetro de segurança da mulher de pé, o que a levará, muito provavelmente, a reagir de um modo inesperado. Nada de grave, suponho; não temo uma esguichadela de spray de pimenta logo a abrir as hostilidades! Mas a sua reação, seja ela qual for, repercutir-se-á, muito provavelmente, no resto do trio, no qual se inclui aquela que enquadro e decidiu, de momento, ignorar-me. Cabe-me a mim decidir, pelo meu lado: tento o enquadramento possível (sem sair dos meus pressupostos, como é óbvio: foto feita à revelia dos fotografados, sem a sua cumplicidade, nem conhecimento - digamos - activo), ou não? Tentando (e, como se vê, tentei), resta-me depois verificar o resultado e aprová-lo (o que também fiz), ou não. As razões da aprovação e a sua defesa devem remeter-se, agora, aos estritos limites da imagem; terminado o processo, fica-nos o produto. Falemos do segundo, já que posso apenas, de modo mais ou menos inábil, supor o primeiro. Nesse quadro, não me incomodam as sobreposições que referes, uma vez que, nos vários protocolos que uso para ler esta foto e todas as do género, há uma figura a que chamarei, à falta de melhor, a "tagarelice referencial", a qual consiste no reconhecimento e aceitação a priori de zonas de sobreposição e cruzamento, explicáveis pelo facto de estarmos perante situações caóticas, onde um pouco de ordem localizada coincide com um pouco de desordem, localizada igualmente, sendo que esta é a condição para a criação daquela - e nesse sentido, não se deve lamentar a sua persistência, porque sem ela nada seria possível. A mim também há aqui coisas que incomodam: em particular, a figura cortada pela margem direita. Poderia tê-la incluído toda no enquadramento: só que aí a coluna e a mulher atrapalhar-se-iam irremediavelmente... A rua não é um estúdio, onde se pode tudo controlar; na rua, o que fazemos é no confronto com o mundo, em corpo a corpo com a realidade. Nestas condições (e de acordo com os pressupostos acima enunciados) toda e qualquer fotografia tem de ser negociada, e há negociações que correm melhor que outras. Este é mais um comentário que não vai agradar nada à Lali, quer-me cá parecer. P.S. O "homúnculo" era uma bizarma de mais de um metro e oitenta!
Cá para mim, e deixando-nos de linguagem snob para mostrarem que são pessoas cultas e com bagagem (o que eventualmente resultará para engatar pitinhas que não fazem ideia da diferença entre um tampão e uma teleobjectiva)a coisa põe-se assim:a coluna à esquerda devia estar um pouco mais afastada da figura, por sua vez o tipo da direita ou estava todo, ou pura e simplesmente ia á vida.Como está, está a mais.Infeliz é também aquele pezinho da figura feminina cortado (eu sei, o Bresson tem disso, mas tu ainda precisas de comer muita papinha para lhe chegares aos calcanhares). A imagem em si é um exercício de composição com alguma piada até, infelizmente vocês dão-lhe uma pseudo-importância que ela não merece.E tu, que já és burro velho nestas andanças com o brometo de prata, tens boa obrigação de saber disso ó Hervé!
O POEMA que se segue é de CARLOS DE OLIVEIRA e julgo responder, pelo menos em boa parte, à questão colocada pelo af bem como à resposta procurada pelo novo Hervé.
Aceito a ordem das coisas, a geometria imposta do quarto? Os objectos no seu lugar de sempre, a distância exacta da cadeira à mesa, do meiple à janela? O sono do tapete? O universo diário do quarto alugado, as molduras que cercam, resguardam naturezas mortas, paisagens imóveis? Aceito a minha vida? Ou mexo no candeeiro, desvio-o alguns centímetros na mesa, altero as relações das coisas, afinal tão frágeis que o simples desvio dum objecto pode romper o equilíbrio? Pego no telefone e grito ao primeiro desconhecido: ouves-me? Ou deixo tudo tal como está, medido, quieto no rigor do quarto, e eu hesitante entre o soalho e o tecto? Desloco o cinzeiro sabendo que posso matar mandarins, provocar cataclismos, fracturas, amores, eclipses, sonhos, com a ponta dum dedo? Ou apago a lâmpada eléctrica e entro no mesmo torpor que as flores do tapete, a fruta dos quadros, o frio, o bolor, no chão, nas paredes, o poema na mesa, a mesa no espaço do quarto comprado mês a mês? Confundo o aluguer e o tempo, deixo-me ser em cada milímetro, em cada segundo, do quarto, da vida, o outro objecto chamado inquilino? Ou desencadeio a insurreição mudando de sítio o meiple, a cadeira, mudando-me a mim?
Caro anónimo gracioso, não esqueças o velho preceito samurai: tratar o que é importante com a máxima leviandade e o que não é importante com a máxima seriedade. Fosse a foto boa, mesmo BOA, não ligava peva às considerações aéficas; já enquanto exercício falhado de aproximação à quinta essência, que sirva, ao menos (para além do que eu possa aprender com ela, em termos da minha prática, evidentemente), para deleite e delírio gerais. O argumento "há muito tempo" não colhe: há muito tempo que eu sei que nunca serão verdadeiras as histórias que leio e continuo a ler; há muito tempo que sei que a jogar (bridge, xadrez, scabble...) não se salva o mundo e continuo a jogar. Questão de perspetiva, como bem sabes... Ah, antes que me esqueça: bem sei que isto pode ser um choque para ti, mas és de longe o mais snobe dos quatro; mais, bem mais do que o próprio A.C.!
Não imaginas, ó New, como as tuas observações críticas se valorizariam no mercado acaso dispensasses de me usar como um padrão passível de ser comparado com qualquer dos três, e acabasses, finalmente, por admitir a minha singualaridade!
Mas a nossa S. M. B. quererá bem, na mesma proporção, a todos nós?
Cá, para mim, o que faz, é o mesmo que a filha do Zacarias, mãe aos 40 anos de 25 rebentos, afirmar cegamente amá-los a todos do mesmo modo onde se incluía - imagine-se - o mais malvado deles, o Elias que tinha dado o salto da Legião Romana para um gang de narcotráficos!
Ora isso é inacreditável!
Se conhecesse os nobres e verdadeiros designos que me levam a viajar para Riad dentro em breve, excluiria por certo do seu comentário as últimas palavras onde me mete no mesmo saco com os demais elementos dos pezinhos!
A todos os títulos, uma grande cegueira!
Como se os rebuçados, independentemente da sua confecção, tivessem igual paladar!
Por amor de Deus!
Acredite que nem aqui, nem pelas redondezas mais afastadas, encontrará alguém tão merecedor de uma especial atenção como eu, quer pelas demonstradas qualidades fotográficas, quer, e sobretudo, pelo meu invejável calibre humano.
Finalmente: o canto nunca foi para mim uma atividade que me atraísse por aí além, apesar de, por vezes, ser tentado a ir na onda do evil metel, mas o mais pesado de todos.
E gosto de matraquilhos ao fim da tarde e de grandes passeios à beira rio, com pausas para umas beers e umas cenas à Marlon Brando a contracenar com a Maria Schneider!
Pode, um dia, fazer aos meus companhons de route a desfeita de os changer por outro blog, mas a mim não!
12 comentários:
por deficiência do meu olhar, admito, há nesta fotografia pormenores que me incomodam. ou seja, detalhes que eu 'fruidor da coisa' preferia que lá não estivessem para a fruição ser maior. o homúnculo que marotamente se esconde na coxa da menina em primeiro plano devia ter dado mais um passo, a coluna que se "siamisa" com o braço da menina, merecia um passo à esquerda do fotógrafo. seria outra fotografia, o fotógrafo mostraria outra face da realidade, pois sim, concordo com esses reparos aos meus reparos, mas o que se vê, vê-se sempre num fundo de mundo, como diria o Merleau-Ponty, e, por isso, não consigo abstrair-me do lugar e da mobilidade do real de onde este instante foi roubado pela vontade do homem da máquina. não será a questão do tempo (será esse o sentido das cronologias?) e da relação que com ele estabelecemos a grande questão da fotografia?
Meu caro af: efabulemos, pois, amavelmente. Não ache que se ganhe grande coisa em comentar uma foto, partindo do princípio de que o fora de campo é um prolongamento harmonioso do campo representado. Neste caso, por exemplo: tenho à minha esquerda uma mulher volumosa, de pé, encostada à pedra; ela, a figura representada e uma outra que ocu+a uma posição simétrica à desta (sentada no banco oposto, virada para ela) constituem um trio de linguajar inidentificável, vagamente conscientes do meu borboletear e razoavelmente nas tintas para ele. Isto para te dizer que não posso ir para a esquerda, porque entro no perímetro de segurança da mulher de pé, o que a levará, muito provavelmente, a reagir de um modo inesperado. Nada de grave, suponho; não temo uma esguichadela de spray de pimenta logo a abrir as hostilidades! Mas a sua reação, seja ela qual for, repercutir-se-á, muito provavelmente, no resto do trio, no qual se inclui aquela que enquadro e decidiu, de momento, ignorar-me. Cabe-me a mim decidir, pelo meu lado: tento o enquadramento possível (sem sair dos meus pressupostos, como é óbvio: foto feita à revelia dos fotografados, sem a sua cumplicidade, nem conhecimento - digamos - activo), ou não? Tentando (e, como se vê, tentei), resta-me depois verificar o resultado e aprová-lo (o que também fiz), ou não. As razões da aprovação e a sua defesa devem remeter-se, agora, aos estritos limites da imagem; terminado o processo, fica-nos o produto. Falemos do segundo, já que posso apenas, de modo mais ou menos inábil, supor o primeiro. Nesse quadro, não me incomodam as sobreposições que referes, uma vez que, nos vários protocolos que uso para ler esta foto e todas as do género, há uma figura a que chamarei, à falta de melhor, a "tagarelice referencial", a qual consiste no reconhecimento e aceitação a priori de zonas de sobreposição e cruzamento, explicáveis pelo facto de estarmos perante situações caóticas, onde um pouco de ordem localizada coincide com um pouco de desordem, localizada igualmente, sendo que esta é a condição para a criação daquela - e nesse sentido, não se deve lamentar a sua persistência, porque sem ela nada seria possível. A mim também há aqui coisas que incomodam: em particular, a figura cortada pela margem direita. Poderia tê-la incluído toda no enquadramento: só que aí a coluna e a mulher atrapalhar-se-iam irremediavelmente... A rua não é um estúdio, onde se pode tudo controlar; na rua, o que fazemos é no confronto com o mundo, em corpo a corpo com a realidade. Nestas condições (e de acordo com os pressupostos acima enunciados) toda e qualquer fotografia tem de ser negociada, e há negociações que correm melhor que outras. Este é mais um comentário que não vai agradar nada à Lali, quer-me cá parecer.
P.S. O "homúnculo" era uma bizarma de mais de um metro e oitenta!
Cá para mim, e deixando-nos de linguagem snob para mostrarem que são pessoas cultas e com bagagem (o que eventualmente resultará para engatar pitinhas que não fazem ideia da diferença entre um tampão e uma teleobjectiva)a coisa põe-se assim:a coluna à esquerda devia estar um pouco mais afastada da figura, por sua vez o tipo da direita ou estava todo, ou pura e simplesmente ia á vida.Como está, está a mais.Infeliz é também aquele pezinho da figura feminina cortado (eu sei, o Bresson tem disso, mas tu ainda precisas de comer muita papinha para lhe chegares aos calcanhares).
A imagem em si é um exercício de composição com alguma piada até, infelizmente vocês dão-lhe uma pseudo-importância que ela não merece.E tu, que já és burro velho nestas andanças com o brometo de prata, tens boa obrigação de saber disso ó Hervé!
Há meia hora aqui, e ainda não consegui vislumbrar os tampões e as pitinhas.
No meu tempo de estudante, uma coisa impedia o acesso a outra, mas hoje, como tudo está mudado, sei lá!...
Mas dispenso explicações!
O POEMA que se segue é de CARLOS DE OLIVEIRA e julgo responder, pelo menos em boa parte, à questão colocada pelo af bem como à resposta procurada pelo novo Hervé.
Aceito a ordem
das coisas, a geometria
imposta do quarto?
Os objectos no
seu lugar de sempre,
a distância exacta
da cadeira à mesa,
do meiple à janela?
O sono do tapete?
O universo diário
do quarto alugado,
as molduras que
cercam, resguardam
naturezas mortas,
paisagens imóveis?
Aceito a minha vida?
Ou mexo no candeeiro,
desvio-o alguns centímetros
na mesa, altero
as relações das coisas,
afinal tão frágeis
que o simples desvio
dum objecto pode
romper o equilíbrio?
Pego no telefone
e grito ao primeiro
desconhecido: ouves-me?
Ou deixo tudo
tal como está,
medido, quieto
no rigor do quarto,
e eu hesitante
entre o soalho e o tecto?
Desloco o cinzeiro
sabendo que posso
matar mandarins,
provocar cataclismos,
fracturas, amores,
eclipses, sonhos,
com a ponta dum dedo?
Ou apago a lâmpada
eléctrica e entro
no mesmo torpor
que as flores do tapete,
a fruta dos quadros,
o frio, o bolor,
no chão, nas paredes,
o poema na mesa,
a mesa no espaço
do quarto comprado
mês a mês? Confundo
o aluguer e o tempo,
deixo-me ser
em cada milímetro,
em cada segundo,
do quarto, da vida,
o outro objecto
chamado inquilino?
Ou desencadeio
a insurreição
mudando de sítio
o meiple, a cadeira,
mudando-me a mim?
Caro anónimo gracioso, não esqueças o velho preceito samurai: tratar o que é importante com a máxima leviandade e o que não é importante com a máxima seriedade. Fosse a foto boa, mesmo BOA, não ligava peva às considerações aéficas; já enquanto exercício falhado de aproximação à quinta essência, que sirva, ao menos (para além do que eu possa aprender com ela, em termos da minha prática, evidentemente), para deleite e delírio gerais. O argumento "há muito tempo" não colhe: há muito tempo que eu sei que nunca serão verdadeiras as histórias que leio e continuo a ler; há muito tempo que sei que a jogar (bridge, xadrez, scabble...) não se salva o mundo e continuo a jogar. Questão de perspetiva, como bem sabes... Ah, antes que me esqueça: bem sei que isto pode ser um choque para ti, mas és de longe o mais snobe dos quatro; mais, bem mais do que o próprio A.C.!
Não imaginas, ó New, como as tuas observações críticas se valorizariam no mercado acaso
dispensasses de me usar como um padrão passível de ser comparado com qualquer dos três, e acabasses, finalmente, por admitir a minha singualaridade!
Meu caro Cabrita, estou como o outro: qualidade é quantidade. Nesse sentido, acho que não paro de reconhecer a tua singularidade.
Não me digas que infringi a regra dos terços, quero dizer, a das três fotos individuais por semana neste blogue?!
( Mesmo a recuperar o uso perdido da gravata, não vou longe!...)
Parece-me que o ARtv deveria sair das vossas casas...andam a falar de mais e a fazer de menos!
Maus vícios. É o que se aprende nesse canal.Até digo mais! Cantam bem mas não me alegram...
(fica o aviso de quem vos quer bem)
Mas a nossa S. M. B. quererá bem, na mesma proporção, a todos nós?
Cá, para mim, o que faz, é o mesmo que a filha do Zacarias, mãe aos 40 anos de 25 rebentos, afirmar cegamente amá-los a todos do mesmo modo onde se incluía - imagine-se - o mais malvado deles, o Elias que tinha dado o salto da Legião Romana para um gang de narcotráficos!
Ora isso é inacreditável!
Se conhecesse os nobres e verdadeiros designos que me levam a viajar para Riad dentro em breve, excluiria por certo do seu comentário as últimas palavras onde me mete no mesmo saco com os demais elementos dos pezinhos!
A todos os títulos, uma grande cegueira!
Como se os rebuçados, independentemente da sua confecção, tivessem igual paladar!
Por amor de Deus!
Acredite que nem aqui, nem pelas redondezas mais afastadas, encontrará alguém tão merecedor de uma especial atenção como eu, quer pelas demonstradas qualidades fotográficas, quer, e sobretudo, pelo meu invejável calibre humano.
Finalmente: o canto nunca foi para mim uma atividade que me atraísse por aí além, apesar de, por vezes, ser tentado a ir na onda do evil metel, mas o mais pesado de todos.
E gosto de matraquilhos ao fim da tarde e de grandes passeios à beira rio, com pausas para umas beers e umas cenas à Marlon Brando a contracenar com a Maria Schneider!
Pode, um dia, fazer aos meus companhons de route a desfeita de os changer por outro blog, mas a mim não!
Que seria uma grande insensatez!
Depois de molhar os pés por aqui, não quero eu outra coisa, mister A.C.
Não se apoquente que o tempo está para frio...
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